O potencial acordo entre o MERCOSUL e a EFTA e seus possíveis impactos para o Brasil
Recentemente, alguns canais midiáticos brasileiros divulgaram a notícia de um potencial acordo comercial a ser celebrado entre o Mercado Comum do Sul (“Mercosul”) e a Associação Europeia de Livre Comércio (“EFTA” ou “Associação”). Canais especializados, com um viés direcionado para negócios e economia, tal qual a Bloomberg Línea, ainda se prontificaram em divulgar a notícia do acordo de modo a vinculá-la com possíveis impactos e benefícios para o Brasil face à indústria relojoeira suíça.
Esse é um assunto que agora vem à tona, mas, confesso a vocês, já venho tratando em minhas postagens e rotinas de conteúdo há algum tempo. E por que faço isso? Apreço ao tema e pioneirismo, sim, mas também porque, como talvez poucos saibam, esse assunto não é novo. Não podemos dizer propriamente que ele é extremamente antigo, mas já faz anos que a discussão desse acordo está na praça. Apenas começaram a vinculá-lo com a temática da relojoaria agora. Mas isso não importa, pois vale saber o que de fato é o acordo e quais seus possíveis impactos para os brasileiros.
Para isso, vamos dar uns passos atrás.
Embora o Mercosul pareça dispensar apresentações, não custa rememorar os leitores. Chamado em seus primórdios de “processo de integração regional”, o Mercosul nada mais é do que um bloco econômico regional criado para o desenvolvimento de oportunidades comerciais e investimentos mediante a integração dos países da América do Sul. Hoje, o Mercosul conta com Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, na qualidade de Estados signatários, e Bolívia (em processo de adesão), Chile, Equador e Colômbia, Peru, Guiana e Suriname – na qualidade de Estados Associados. A Venezuela está suspensa em todos os direitos e obrigações face ao Mercosul, por conta de sanções previstas no Protocolo de Ushuaia. Na qualidade de bloco econômico regional, o Mercosul pode assinar acordo comerciais com outros países e blocos econômicos do globo.
Já a EFTA se classifica, desde sua criação em 1960, como uma organização intergovernamental com o objetivo de promoção de atividades de livre comércio e integração econômica dos seus países membros. Apesar de uma nomenclatura e estrutura um pouco diferente do Mercosul, em palavras claras e breves, a EFTA pode ser considerada um bloco econômico regional, hoje composto por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. De forma semelhante ao Mercosul, a EFTA também pode celebrar acordos comerciais e de livre comércio com outros países ou blocos econômicos. E assim ela o faz.
A EFTA possui, hoje em dia, pouco mais de 21 acordos comerciais já assinados com diversos países, sejam eles do Oriente Médio, Ásia, Europa e América Latina. Os acordos da EFTA, em linhas gerais, costumam se assemelhar entre si, em vários aspectos e matérias, buscando traçar incentivos fiscais, econômicos, tarifários e alfandegários para as partes signatárias. A título de curiosidade, os acordos mais “famosos” em pautas e discussões recentes, já começando a direcionar o assunto para a relojoaria, são aqueles firmados pela EFTA com México, Malásia e Índia. Nesses acordos, mas também em outros assinados pela Associação, há uma lista de temas, indústrias, produtos, insumos e bens de consumo que, a partir da assinatura e vigor do acordo, passam a gozar de incentivos e isenções para que sejam comercializados entre os países signatários. E aqui entra a relojoaria.
Geralmente, e vou me valer principalmente dos acordos firmados com México, Malásia e Índia, os acordos de livre comércio da EFTA comportam vários incentivos e isenções de taxas e tarifas (seja de importação ou exportação) para matérias primas, insumos, componentes, peças, movimentos e artigos de relojoaria – inclusive relógios completos – destinados à venda do consumidor final ou revendedores gozam também desses benefícios. O acordo com o México, por exemplo, assinado em Novembro do ano 2000, dentro das previsões de eliminação de tarifas, possuía (e possui) metas anuais de reduções tarifárias de importação e exportação de um sem-número de itens de relojoaria. Mero exemplo a seguir.
Parte do acordo mexicano que trata das isenções graduais, ano a ano, para artigos de relojoaria.
O mesmo racional vale para o recente acordo assinado com a Índia e também para o mais recente ainda com a Malásia. Pegando a Índia como exemplo, o acordo foi assinado em 2024 e busca, ao longo dos próximos 7 anos, reduzir de 22~23% a zero os impostos sobre produtos de luxo, dentre os quais estão inseridos os artigos de relojoaria e relógios. No caso indiano, o primeiro passo para os próximos 3 anos será a redução das tarifas e impostos para 5 a 10% sobre esse tipo de produto, a depender do seu segmento e categoria. A título explicativo, tal qual como no caso mexicano, repare abaixo:
Parte do acordo indiano que trata, também, das isenções graduais de tarifas em relógios e artigos de relojoaria.
Esses são apenas alguns exemplos de acordos firmados pela EFTA que trazem previsões de incentivos comerciais de longo prazo para a indústria relojoeira suíça e para os países signatários que se beneficiarão dos bens de consumo mais baratos. Ok, mas e o Brasil em tudo isso?
Voltando ao primeiro parágrafo desse artigo, comentei com os leitores que há um potencial acordo comercial em desenvolvimento entre a EFTA e o Mercosul (“Acordo EFTA-Mercosul”). Vamos a ele.
Buscando as bases do Acordo EFTA-Mercosul, as suas negociações, a bem da verdade, iniciaram-se em meados dos anos 2000. Foram diversas rodadas de negociações até aqui, com seu apogeu entre 2015 e 2017. O acordo quase foi assinado em 2019, mas perdeu força com a pandemia da COVID-19 e também com o recente acordo comercial assinado entre o Mercosul e a União Europeia (da qual a Suíça não faz parte) – não confundam as coisas e os acordos, são acordos comerciais diferentes! E o que temos hoje? Ainda rodadas de negociações para tentar viabilizar a consensualidade entre as partes nas questões comerciais, para que ele, então, seja assinado. Mas a despeito disso, vamos adiante, no intuito de esmiuçar o raciocínio para a nossa indústria querida.
De um lado, temos um bloco econômico com Suíça e com uma das maiores indústrias de exportação (relojoaria) do país do chocolate; do outro, um segundo bloco econômico com o Brasil, país o qual carece de maiores incentivos fiscais, tributários e aduaneiros para suas atividades comerciais, especialmente no quesito de importações e exportações. Seria, em tese, juntar a “fome” de exportações relojoeiras suíças com a “vontade de comer” do Brasil por relógios e artigos de relojoaria mais acessíveis e com menores custos. E se nesse momento o leitor se questionou mais ou menos na linha “nossa, então agora a coisa vai?”, calma lá.
Apesar dos anos de discussões e várias rodadas de negociações, inclusive com a vinda de Ignazio Cassis, Ministro das Finanças e Comércio Exterior suíço, para o Brasil para tratar desse assunto no começo de 2025, ainda não há efetivamente um esqueleto, texto preliminar ou sumário que seja público e notório do Acordo EFTA-Mercosul. Para os leitores mais aventureiros e que se prestarem a acessar o site da EFTA para desbravá-lo atrás dessas informações e quais seus potenciais impactos para a relojoaria no Brasil, sinto informar que não terão muito sucesso. Como falei, não há dados escritos ainda do acordo, apenas algumas diretrizes e cartas de intenções com sugestões de que as partes envolvidas estão em negociações. Então as expectativas e informações foram por água abaixo? Ainda não...
Quando comecei a estudar esse assunto alguns anos atrás e percebi a falta de informações a respeito do “nosso” acordo com a EFTA, comecei a buscar diversas fontes de informações. Após angariar alguma bagagem no assunto, decidi que, antes de escrever esse artigo, deveria buscar a informação mais próxima possível da realidade do acordo, ainda imaterializada, para passar aqui para vocês. Eis que escrevi para Secretário da Divisão das Relações Comerciais da EFTA (“Secretário” - cujo nome não revelarei por questões de sigilo pessoal) e obtive uma resposta.
Como já adiantei para vocês nos parágrafos anteriores, o Secretário mesmo também comentou que “as negociações entre a EFTA e o Mercosul ainda estão em andamento e, como tal, nenhum texto final ou projeto consolidado está disponível publicamente neste momento. No entanto, uma vez concluídas as negociações e concluída a revisão legal, o acordo final será publicado e disponibilizado online.” (tradução livre – grifos meus).
Mas ele foi além, para minha surpresa e felicidade. E vou abrir aspas de novo para que vocês tenham a mesma informação que eu tive, na íntegra, dias trás: “Em relação à sua pergunta sobre o impacto potencial do acordo na indústria relojoeira: embora não possamos comentar o conteúdo exato do acordo final antes de ser oficialmente divulgado, é prática comum para os acordos da EFTA incluir disposições sobre a liberalização tarifária, incluindo para produtos industriais como relógios, componentes e materiais. Portanto, é razoável esperar que o acordo conterá disciplinas semelhantes, embora o alcance exato e o cronograma das reduções dependam do resultado das negociações.” (tradução livre – grifos meus).
Então, caros leitores, a partir das falas do Secretário acima, com o qual ainda estou em contato, podemos supor que, caso assinado o Acordo EFTA-Mercosul (vejam, novamente, que é uma possibilidade, antes que alguém venha me cobrar pela “enésima” vez na DM), é provável que sua estrutura comporte previsões semelhantes às do México e Índia e, assim, relógios e artigos de relojoaria também farão parte dos benefícios comerciais do acordo, o que tende, obviamente, a beneficiar o Brasil no segmento relojoeiro.
É cedo ainda afirmar categoricamente que preços de relógios e insumos da cadeia produtiva e de consumo da relojoaria ficarão necessariamente muito mais baratos. É possível, contudo, que o Acordo EFTA-Mercosul, se comportar a relojoaria, junto com seus benefícios para indústria, incentive mais marcas já existentes aqui a permanecerem no Brasil – o que é ótimo para fins da manutenção do mercado de consumo nacional já existente. Talvez, novas marcas sintam que possuirão mais margem em operar no Brasil, o que pode atrair marcas que hoje não se encontram em solo nacional para as terras brasileiras.
Podemos cravar que o cenário brasileiro ficará pleno, isento de qualquer tipo de imposto, taxa, tarifa ou custo adicional quando falamos de relógios e seus artigos vinculados? Não. Arrisco a dizer, e me filio a essa corrente, que não devemos ser iludidos ou completamente otimistas. Sejamos razoáveis. O cenário tributário brasileiro é um “bicho” complexo (e pesado) e, por óbvio, pode ainda influenciar nesse tipo de produto aqui no Brasil, ainda mais advindo de importação. E vale anotar que o acordo ainda não está selado, inteiramente negociado, e não sabemos o que virá por parte dos nossos agentes de negociação e entes dotados de competência para se sentar à mesa nas relações exteriores.
O que estou e venho dizendo é que, com a assinatura e vigor do acordo, a nossa realidade pode melhorar, fazendo com que os preços de relógios, seus insumos, matérias primas e artigos de relojoaria e sua assistência técnica tornem-se mais competitivos em termos de preço. É possível, não provável, que, o Acordo EFTA-Mercosul, somado à mais nova política tarifária norte americana do governo Trump (caso vigore), torne o Brasil mais competitivo e atrativo para a relojoaria suíça.
Essas, ao menos, foram as palavras que ouvi da Federação da Indústria dos Relógios Suíços (minha cara “FH”) quando tratei desse assunto ainda em abril desse ano com eles. Deixo a vocês, então, as mesmas palavras que ouvi em terras suíças e espero que a reflexão sobre as bases político-econômicas sobre “mas o acordo sai ou não?” fique a cada um de vocês, sempre com um convite para falarmos disso em canais apropriados.