O Grupo Fossil pode nos ensinar algo sobre o cenário atual da indústria relojoeira suíça?

Fundado em meados da década de 1980, com raízes texanas, o Fossil Group Inc. (“o Grupo” ou “a Fossil”) se denomina para o público geral como o “lar de um conjunto de marcas globais, que conecta as pessoas ao que mais importa: o tempo.”. Para os investidores, a descrição ainda vai além, de modo que o Grupo se descreve como “uma empresa global de design, marketing, distribuição e inovação especializada em acessórios de estilo de vida.”. Nas duas frases entre aspas, os entusiastas e estudiosos da relojoaria podem ver duas palavras-chave: “tempo” e “acessórios”.

Com isso e um pouco de bagagem na relojoaria, fica fácil identificar que o Grupo tem relógios em seu portfólio de produtos. E relógios não só da própria marca Fossil. O Grupo conta ainda com conhecidas fashion brands de relógios, dentre as quais estão Michael Kors, Emporio Armani, Armani Exchange, Skagen e assim segue. Muito provavelmente, para os colecionadores mais dedicados, a marca da Fossil que mais se sobressai seria, na verdade, a Zodiac Watches – de origem suíça, adquirida pelo Grupo no final de 2001.

Apresentado esse contexto, foi possível entender que a Fossil é um Grupo norte americano, voltado para acessórios e relógios de fashion brands, e, ao mesmo tempo, com acenos para a relojoaria suíça a partir da Zodiac. Mas será que o contato ou abordagem do Grupo para com a relojoaria suíça foi feito apenas por meio da Zodiac? Não, e vamos adiante nesse contexto.

Em 2012, o Grupo adquiriu a Swiss Technology Production (“STP”), produtora de movimentos suíça fundada por um grupo de investidores, em 2006, na região de Lugano – pequenos parênteses aqui: incialmente, a STP começou apenas dando acabamento em movimentos já prontos, partindo para produção de calibres apenas após alguns anos de sua fundação. O intuito do Grupo com a aquisição da STP, à época, era diversificar a fabricação de produtos relojoeiros majoritariamente feitos na China e fortalecer seu portfólio de relógios e produtos swiss made, principalmente para ganhar mais espaço no mercado asiático, local no qual a presença da Fossil já era forte nas décadas passadas, mas que ainda carecia de maiores raízes e opções de produtos suíços.

Foto da frente da fábrica da STP em conjunto com a STC (Swiss Technology Componentes).

Segundo declarações de Martin Frey, ex-presidente do Conselho Diretor da Fossil e Diretor Geral do Grupo na Europa, o objetivo do Grupo com a aquisição da STP foi, justamente, expandir os horizontes e ganhar maiores fatias de mercado que eram (e ainda são no ramo relojoeiro) detidas pelo Swatch Group e Richemont. Em outras palavras, resumindo, a Fossil adquiriu a STP para ter uma produtora de movimentos suíça, aumentar suas opções de relógios swiss made e ganhar mercado e espaço no mercado asiático, que, anos atrás, era uma das principais promessas do Grupo. Dito isso, a Fossil aumentou sua rede e conseguiu colocar embaixo dos braços um vínculo com a relojoaria suíça.

Desde a aquisição da STP, a Fossil investiu em movimentos suíços, em relógios de suas marcas com preços razoavelmente competitivos, com o label swiss made, para os mercados norte americano e asiático e viu, assim, a sua produtora de movimentos ganhar corpo e crescer ao longo dos anos, inclusive fornecendo movimentos e acabamentos para marcas e agentes de fora do Grupo. Tudo parecia ir bem, inclusive para marcas pequenas e independentes que utilizavam os movimentos da STP. Até que...

Em janeiro de 2025, em uma notícia quase nada divulgada e com uma certa dose de rumores e bastidores, foi divulgado que a STP estaria prestes a fechar suas portas em Glovelier, na região do Jura, pois a produtora de movimentos não estaria, há algum tempo, dando lucro e sendo rentável. De meados de 2024 até o final do ano passado, a STP teria já demitido alguns de seus funcionários e relojoeiros e os poucos mais de 20 relojoeiros da produtora que sobraram estariam, desde o início de 2025, de sobreaviso e suspensos dos trabalhos. A Fossil estaria, supostamente, prestes a encerrar sua jornada na relojoaria suíça.

Tentando juntar as poucas peças de bastidores que temos acesso, embora não tenha havido nenhuma notícia concreta de que a STP efetivamente fechou e encerrou suas atividades, Erkan Kurun, Diretor da STP nos últimos anos (“Kurun” ou “Diretor”), informou que as dificuldades recentes da STP se davam principalmente pelo fato da instabilidade econômica e suposta crise enfrentada pela relojoaria suíça no triênio 2023/2025 e pelas dificuldades que marcas menores, independentes e clientes da STP vinham enfrentando – a título de curiosidade, não que isso crave alguma coisa concreta, Kurun chegou, nos últimos meses, a compartilhar diversos posts de relojoeiros e funcionários da STP com o selo “Open to Work” no LinkedIn. Possivelmente, a Sellita também dificultou os horizontes de crescimento da STP nos últimos anos, mas isso é um outro papo.

E aqui pode começar a reflexão dos leitores. Muito embora pareça improvável que um grupo americano majoritariamente composto por fashion brands possa nos ensinar alguma coisa sobre o cenário atual da relojoaria suíça, é especialmente nesse segundo ponto, relatado pelo Diretor, que algo me chama atenção: os problemas sofridos por marcas menores e independentes.

É assunto praticamente público e notório que a indústria suíça tem passado por problemas econômico-financeiros recentemente. Muitos leitores e seguidores, quando eu comento esse tema, me perguntam com alguma frequência se as grandes marcas passarão sufoco com essa suposta crise. Mas a verdade é que serão os pequenos que mais sofrerão nesse período e isso, em alguma escala, pode gerar um efeito cascata. Ora, se a STP supostamente está sofrendo e um dos motivos é, justamente, a falta de pujança de marcas menores e independentes, compradoras de seus movimentos e componentes, seria razoável supor que, diante desse momento instável para a relojoaria suíça, muitos atores menores e dos bastidores da indústria poderão passar por problemas, estes que podem refletir em marcas maiores e players intermediários que, em alguma medida, não possuem caixa ou fôlego financeiro para atravessar esse período de incerteza.

Esse cenário que desenhei até aqui era, ao menos até abril, uma das principais preocupações da Federação da Indústria dos Relógios Suíços (“FH”) nesse novo contexto de indústria face aos novos componentes macro e microeconômicos. A angústia da FH com as novas tarifas globais e queda de consumo do mercado asiático era direcionada exatamente para os pequenos produtores de componentes da cadeia produtiva relojoeira e marcas pequenas ou independentes que, em grande parte, dependem de grandes nomes da indústria para oferecerem seus produtos e serviços.

Muito provavelmente, a notícia envolvendo a STP foi apenas um possível exemplo mais concreto de que a suposta crise ora vivida pela indústria relojoeira suíça afetará os pequenos e médios atores da cadeia produtiva, juntamente com marcas menores, que não possuem todas as possibilidades de se ampararem em grandes grupos com caixa e investidores. Vale, então, o questionamento: ora, se o Swatch Group vem sofrendo há algum tempo, apesar de toda sua estrutura, portfólio de produtos e marcas, estariam os pequenos e médios produtores e marcas menores distantes de qualquer problema?

A resposta me parece ser negativa e, assim, podemos responder à pergunta do título desse artigo: de fato, é possível dizer que o Grupo Fossil, pelo menos ao olharmos para o cenário atual, pode, sim, apesar de ser americano, nos ensinar sobre o momento presente da indústria relojoeira suíça. 

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