Algumas notas explicativas da nova política tarifária norte americana e reflexões sobre a indústria relojoeira suíça
Dia 02 de abril de 2025, dia do chamado “Liberation Day”. Data em que o presidente Donald Trump (“Trump”) anunciou seu novo “tarifaço” em resposta, supostamente recíproca, às diversas relações comerciais tidas como desiguais com vários países do globo. Embora suspensas por 90 dias e ainda “ligando os motores”, as novas tarifas de Trump, segundo o manifesto oficial da Casa Branca, foram destinadas a equiparar o desequilíbrio comercial nas negociações norte americanas com países estrangeiros.
Assim, além de uma tarifa universal de 10% sobre importações de produtos de fora dos Estados Unidos (“EUA”), tarifas com alíquotas variáveis, de país para país, também serão cobradas a partir da importação de produtos, insumos, materiais e bens de consumo em solo norte americano – itens esses todos componentes da cadeia produtiva e de consumo da relojoaria. Logicamente, a indústria relojoeira sofrerá impactos. E há aqui um “efeito cascata”.
As alíquotas cobradas serão em cima do valor do bem, insumo ou produto importado. Logo, se há a importação de um bem ou insumo no início da cadeia produtiva da relojoaria, nitidamente esse custo será repassado ao longo dela, chegando até o consumidor final. Mas o quão significativos são esses impactos para o mercado consumidor norte americano, que se consolidou, desde 2021, como o maior mercado receptor das exportações suíças? Vamos aos números.
A União Europeia foi “agraciada” com uma alíquota de 20%, o Japão sofrerá os efeitos de uma alíquota de 24% e, por sua vez, a Suíça enfrentará uma alíquota de 31%. É fato que a relojoaria inglesa e japonesa sofrerão dentro do mercado de Trump, mas se os EUA são o maior mercado consumidor da indústria relojoeira suíça, o impacto para o país dos alpes será ainda mais alto. Não só fabricantes, vendedores, assistências técnicas e, por certo, os consumidores que buscarem qualquer tipo de produto ou insumo suíço importado serão pressionados, mas também praticamente a integralidade de um setor de exportações de um país será afetado – aos leitores que não sabem, relógios estão entre os dois principais produtos suíços exportados para os EUA, juntamente com insumos médicos e farmacêuticos.
Evidentemente, esse fato político-econômico gerou razoável alvoroço na indústria relojoeira suíça – de quebra ainda nos primeiros dias da Watches and Wonders. Boa parte da mídia, senão sua totalidade, prontificou-se em anotar seus comentários sobre os impactos negativos da política tarifária de Trump em blogs, revistas, vídeos e afins. Todos preocupados e a mídia ressoando as negatividades desse novo cenário para o mercado norte americano. Mas, em termos práticos, fugindo das publicações da mídia, seria possível ter alguma visão de dentro da indústria suíça, com a sua respectiva opinião sobre esse acontecimento?
Para a surpresa de muitos, inclusive a minha, a resposta é positiva. Exatamente uma semana após o anúncio de Trump sobre a nova política de tarifação, este que lhes escreve teve a oportunidade de se sentar à mesa em Bienne com a Federação da Indústria dos Relógios Suíços (“FH”) para uma reunião, conduzida com a sua Diretora Jurídica, o Diretor de Assuntos Econômicos e o seu Presidente.
Fédération de l'industrie horlogère suisse FH
O mais curioso da reunião quanto às novas tarifas e seus impactos? Mesmo em prazo curto, apenas uma semana após o anúncio, o discurso da indústria relojoeira suíça já estava alinhado com o do alto escalão do Poder Executivo do país. Segundo a FH, ainda era cedo demais para qualquer posicionamento. Obviamente, havia preocupação e uma sensação de cautela, com várias conversas em andamento não só com players nacionais da relojoaria (marcas, fornecedores, investidores etc.), mas também com atores políticos e econômicos que fariam (e ainda fazem) a interface em termos diplomáticos e econômicos nas relações internacionais bilaterais entre os dois países.
Confesso que pouco consegui extrair da FH sobre quais seriam as estratégias adotadas na prática para contornar a questão tarifária. Mas algum tempo depois houve a sinalização de algumas luzes no fim do túnel. Vou comentar sobre elas a seguir, muito embora elas ainda possam sofrer alterações.
A Rolex, em resposta, decidiu subir seus preços no mercado norte americano em 3%, iniciando a sua nova política de preços a partir de 1º de maio de 2025. Por sua vez, em estratégia semelhante e a partir da mesma data, a Omega pretendeu subir seus preços em 5% para tentar contornar a situação preliminarmente. Não só as duas gigantes da indústria adotaram essa prática, mas diversas outras marcas também a fizeram, vendendo a expectativa de aumento de preços na casa dos 8 a 10%. Mas essas alternativas são apenas “panos quentes”, na minha opinião, voltados para conter em partes o problema em seu momento inicial. Para remediar completamente a situação, a leitura do problema precisa ser muito mais abrangente.
Cité du Temps
Afirmo isso, pois a dúvida que paira no ar, para aqueles que gostam do jogo econômico na relojoaria, é justamente se tais medidas e percentuais de aumento de preços serão suficientes para lidar com a nova realidade tarifária e estabilizar preços no mercado norte americano. Na minha modesta opinião, a resposta é negativa. E aqui vão alguns motivos para o meu “não”.
É evidente que não somente os preços dos relógios na ponta, para o consumidor final, sofrerão com o aumento de preços em virtude de importações. Toda a cadeia de insumos e matérias primas da indústria, inclusive aquela destinada às assistências técnicas, escolas de formação de relojoaria a afins, sofrerá com possíveis aumentos de preços e novas realidades. Logo, o “efeito cascata” das tarifas em todo a cadeia relojoeira, até o consumidor final, será notável e requererá outros esforços para ser contornado.
Como segunda alternativa para contornar o problema, a Suíça adotou as chamadas “remessas antecipadas”. Basicamente, antes de as tarifas de importação começarem a valer, a Suíça antecipou grande parte do volume de exportações para os EUA. O sentido disso? Bom, se as tarifas não estão ainda em vigor e os produtos e insumos já se encontram em solo norte americano, eles potencialmente não sofrerão com a tarifação. Ou seja, a lógica é antecipar as exportações para os EUA antes que as tarifas passem a vigorar e impactar a relojoaria suíça. O aumento de exportações de relógios e insumos suíços para os EUA aumento 18% em abril. E isso foi mais uma resposta dada à tarifação.
Essa segunda solução também me parece apenas um “pano quente”. Confesso que me pergunto se esse tiro não pode sair pela culatra, com o mercado norte americano inundado de produtos e insumos parados e encalhados nas prateleiras. Certamente, isso foi um risco avaliado, calculado e precificado por parte dos players suíços, muito embora não me desperte grandes olhares em termos de uma solução de longo prazo.
Mas, quando o meu ceticismo parecia irrenunciável, houve uma nova notícia, de meados de maio desse ano, que o deixou balançado. O Secretário do Tesouro Norte Americano Scott Bessent fez um pronunciamento indicando que a Suíça acelerou novas discussões com os EUA no intuito de celebrar um acordo comercial para facilitação de negócios bilaterais entre os dois países.
Karin Keller-Sutter, praticamente a Ministra das Finanças e detentora de uma das cadeiras do Conselho Federal Suíço, prontificou-se em afirmar que, dadas as conversas e tentativas de negociações de um acordo comercial com os EUA, a Suíça apresentaria nas próximas semanas algumas sugestões e alternativas para o acordo, as quais, potencialmente, ofereceriam fôlego às indústrias suíças, dentre elas a relojoeira. É claro que ainda é cedo para afirmar certamente que haverá o acordo e que o impacto tarifário norte americano será diluído em virtude dessa relação comercial facilitadora.
Apenas o tempo trará os novos horizontes e desdobramentos dessa potencial parceria e qual serão os impactos – positivos ou negativos – para a indústria. Contudo, é inegável que essa saída comercial se mostra uma das melhores, senão a melhor, alternativa para que a indústria relojoeira suíça drible as questões tarifárias no mercado norte americano.
O alarde sobre o enrosco tarifário foi grande no início, mas o que nos resta é aguardar e ver os desdobramentos dessa novela econômica que está muito longe de acabar e ter suas novas diretrizes escritas em pedra, de forma imutável. Certamente ainda teremos novos capítulos e voltaremos a falar disso em breve, ainda mais falando do Brasil, que poderá (percebam que é uma possibilidade, não uma certeza) se tornar mais competitivo e atrativo com a tarifação americana.