Um passo ou uma nova era para a Coroa?
Quase quatro meses após a sua criação, pouco se ouviu e pouco se ouve sobre a nova empresa da coroa. Efetivamente divulgada em maio de 2025, mesmo que por baixo dos panos, a Rolex Quantum S.A. (RQ ou Empresa) é a mais nova empresa a compor o guarda-chuva da Fundação Hans Wilsdorf. Dedicada exclusivamente ao campo da cronometria e precisão atômica, a RQ tem como objetivo e objeto o desenvolvimento e comercialização de relógios atômicos ópticos, principalmente voltados para o emprego em atividades científicas e industriais.
Antes de adentrarmos nas próximas linhas, sim, é isso mesmo que alguns leitores desse primeiro parágrafo talvez tenham pensado: a RQ não terá qualquer relação com os relógios de pulso da marca da coroa e não focará nesse tipo de produto. Para alguns, talvez isso soe estranho, mas, na verdade, esse movimento diz muito sobre a visão e estratégia de longo prazo da Fundação e suas marcas, as quais abordaremos em breve.
Foto gentilmente cedida pelo amigo Paulo Rabelo do Tock&Talk.
A Empresa ficará sediada em Neuchâtel, na Rue de L’Observatoire, sede simbólica da cronometria de alto escalão suíça. É justamente nessa rua em que também está sediado o Observatório Astronômico e de Cronometria de Neuchâtel, entidade financiada pelo Departamento de Economia Pública desse Cantão, cuja história relevantíssima para o nosso hobby, pela perspectiva suíça, ficará para outro texto.
Seguindo, a RQ terá como diretor Fabien Droz, que também figura como diretor científico e instrumental do Centro Suíço de Eletrônica e Microtecnologia (CSEM ou Centro). Jean-Frédéric Dufour, CEO da Rolex, também estará à frente da nova Empresa, atuando também em seu conselho. Podemos perceber de antemão uma coisa, apenas em virtude dessas duas cadeiras: a RQ terá, sim, um forte viés comercial, mas também terá em seu time figuras seletíssimas no campo científico de medição do tempo. Isso sem falar na sua atuação em parceria. Parceria? Mas que parceria?
Foto do Observatório Cantonal de Neuchâtel. Fonte: Jura Trois-Lacs, Pays de Neuchâtel. Disponível em: https://www.j3l.ch/fr/P99443/a-faire/culture-musees/musees/espacetemps
Bom, se a Rolex já é parceira antiga do CERN, com a RQ a lógica será parecida. A Empresa atuará em parceria direta com o CSEM, mencionado acima. Logo, ter como diretor alguém de dentro do Centro só mostra a força tracionada pela coroa para que a Empresa chegue ao mercado com uma alta patente no âmbito de medição atômica do tempo. A parceria conjunta com o CSEM se deve, segundo F. Droz, a uma excelente colaboração, já antiga, feita entre o Centro e a Rolex para o design de uma nova geração de relógios atômicos.
Victor Helson, pesquisador do CSEM, alegou recentemente à Agência de Promoção de Investimentos do Cantão de Berna (conhecido pelo público como Grupo GGBª) que a Rolex foi uma das grandes responsáveis pelo aprimoramento contínuo de relógios atômicos a base de rubídio desenvolvidos pelo Centro. A partir daí, caros leitores, os dois novos parceiros decidiram continuar a parceria e unir suas forças. O restante será história que veremos ao longo dos próximos anos.
Acho que já foi possível entender até aqui a tamanha potência que a RQ se propõe a ser. Mas como tudo isso conversa com as estratégias da Fundação Hans Wilsdorf, suas marcas e os próximos passos na medição do tempo? Vamos lá.
Como disse acima, é fato que a RQ terá forte apelo comercial. Todavia, esse apelo comercial não está necessariamente embutido nos meandros da relojoaria que nós colecionadores estamos acostumados com os relógios de pulso. Uma das propostas da Empresa é não só produzir relógios atômicos, mas também fazer deles algo inovador, projetados para serem cem vezes mais precisos do que relógios atômicos mais antigos, tidos como “convencionais” (muito embora do ponto de vista da relojoaria não tenham nada de “convencionais”, percebam as aspas).
Então, o jogo aqui passa a ser outro, pois começa a conversar com a mudança de paradigmas econômicos, sociais e do desenvolvimento humano. Percebam a RQ talvez tenha a intenção de dar um salto quântico no aspecto de cronometria, que pode, por exemplo, aprimorar sistemas de navegação por satélite (GPS), facilitar aspectos de telecomunicações e radio frequência e, também, aumentar padrões internacionais de serviços e ativos que dependem da cronometria e medição do tempo.
Isso mostra uma possível nova era para a “holding” da coroa, era essa muito alinhada com as aspirações e vontades do próprio Hans Wilsdorf. O que passamos a ver agora é, pensando na estrutura da Fundação e suas marcas, um reposicionamento estratégico da Tudor para colocá-la na porta de entrada de acesso dos colecionadores – lembrando que a marca tem se valido do próprio METAS para fazer frente atualmente para a Omega; a irmã mais velha Rolex passa a alçar novos voos de exclusividade, luxo e escassez; e, ao mesmo tempo, vemos a Fundação, por meio da Rolex Quantum S.A., seguindo um DNA intrínseco à sua natureza, já antigo, que é investir em ciência, tecnologia e legado de inovação para as próximas gerações e humanidade.
Nenhum passo dado pela “holding” da coroa é “em falso”. Tudo milimetricamente “calculado”, se me permitem o trocadilho. Com a RQ não é diferente e a tendência, pelos bastidores e com algum esforço para buscar informações, é que vejamos nos próximos anos contribuições e avanços significativos possibilitados pela nova Empresa. A coroa não brinca e nunca brincou em serviço e, se agora a brincadeira está no nível científico, poderemos ver toda a ciência que será feita por ela.